segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O Início de Uma Odisseia

    A madrugada antecedente ao meu primeiro dia de aula foi gasta em expectativas. Sobre como seriam os professores, as matérias, os colegas. Difícil pegar no sono quando um turbilhão de pensamentos impossibilitam o meu descansar.

     Disseram-me que na faculdade poderia ser quem eu quisesse ser. Portanto, criei uma falsa história de vida. Seria de uma cidadezinha russa e estaria no Brasil para servir como espiã disfarçada o meu amado país. Depois, deixei para lá. Concluí que o conselho era mais apropriado para os estudantes calouros de Teatro.

     De pé às 6 da matina, com cara e andar arrastado de uma morta viva, caí embaixo do chuveiro. A água congelante fazia meus dentes se baterem como maracas e meu corpo tremelicar.

     Passada uma hora, lá fui eu à casa de uma amiga do colégio. Esperei que se aprontasse e saímos de casa rumo aonde viveríamos os próximos quatro anos de nossas vidas.

     Não havíamos chegado na faculdade ainda, mas aprendemos uma lição importante – nada sobre concordância nominal ou algo do tipo, mas extremamente relevante: sair mais cedo de casa é crucial se não quisermos chegar atrasadas.

     O engarrafamento era gigantesco e, quando finalmente tocamos terras universitárias, fomos atrás de deixar o meu certificado de conclusão do Ensino Médio em uma porta de vidro. Só que eles estavam recebendo em outra. Chegando lá, esperamos. Nervosamente, esperamos. Até minha senha ser chamada e pronto! Risquei isto da lista de coisas a fazer.

     Um chuvisco bipolar, ia e voltava, e ameaçava a chapinha da minha amiga. Paramos na biblioteca, onde o professor havia dito que nos levaria para. Não avistamos ninguém barbudo, com óculos fundo de garrafa e com cabelos pintados nas cores do arco-íris. Logo, achei que os futuros jornalistas deveriam estar na sala e não ali.

     Andamos numa velocidade mais rápida, afinal, estávamos atrasadas. Subimos as escadas do bloco para encontrar a tal sala vazia. Talvez eles estivessem em um lugar diferente da biblioteca... e lá fomos nós de novo.

     Reencontramos uns velhos amigos de colégio que haviam sido liberados da aula – e eu nem chegara na minha ainda!

     Perguntei ao guarda onde estava a turma que começava hoje o primeiro semestre de Jornalismo e sua resposta foi: na sala Q18. Saímos pela porta e nos olhamos nos olhos. Não precisava ser dito, podia-se ver nos nossos rostos a expressão de “onde diabos é Q18?”

     Com a ajuda de uma amiga veterana, fomos à procura. Passamos pelos blocos M, N, O, P... até chegar ao Q, perto de onde havíamos saído para ir até a biblioteca. É provável que, se estivéssemos sendo observadas do alto, teríamos formado uma figura enrolada, como a minha cabeça naquela hora.

     Achamos a Q18 faltando 10 minutos para o começo do intervalo. Minha amiga bateu na porta, abriu-a e deixou-me à mostra aos 60 alunos e mais uma dúzia de professores e estudantes de outros semestres. Bateram palmas e logo pensei: “ótimo, estão me zoando por chegar atrasada”, mas é que o coordenador do curso havia entrado para falar algumas palavrinhas. Agora eu sei o que fizeram durante as primeiras horas de aula.

     Acanhada e envergonhada, entrei na sala. O professor me indicou um lugar vazio para sentar e segui seu conselho. Aparentemente, eles haviam tirado umas fotos no começo da aula. Os que não, por terem chegado atrasado, foram para perto do quadro e se apresentaram. “Meu nome é Gabriela, tenho 18 anos e sou daqui de Fortaleza”.

    Arrastei a cadeira com um barulho estridente e sentei novamente. O restante da turma se apresentou e, honestamente, não lembro dos nomes de ninguém, além de uma tal Natália, que podem chamar de Nati, vinda de São Paulo para cá quando criança. O resto foi bem menos espalhafatoso em relação às suas apresentações.

     Nos 10 minutos de intervalo, comi meu biscoito trazido de casa no banco sozinha. Depois, retornei à sala. Aos poucos, os meus futuros colegas de profissão chegavam e sentavam, enquanto os veteranos diziam e repetiam que teríamos que ler um livro de 680 páginas sobre o Chatô e os primórdios da imprensa brasileira. Perguntei-me se alguém já fizera a piada óbvia de que o livro do Chatô é muito chato ou se isto seria considerado uma heresia.

    Mais algumas válidas informações e... queda de energia. Um aluno de terceiro semestre fez questão de tranquilizar a estudante que largou o curso de Letras na Universidade Estadual do Ceará dizendo que greve, só lá mesmo.

     Fomos em direção aos estúdios de televisão da faculdade. Já havia visto antes, mas sua grandeza surpreende toda vez. Uma estudante do quinto semestre de Jornalismo faria uma entrevista com o meu professor que tem o nome de uma música da Lady Gaga e um convidado especial: um ex-aluno que trabalha em um grande site de notícias da região.

     Deste bate-papo documentado em vídeo, pude tirar algumas dicas de como sobreviver ao primeiro semestre e de como me tornar uma excelente profissional na área jornalística.

     Este foi só o primeiro dia de uma grande odisseia de quatro anos. Sem sombra de dúvidas, enfrentarei monstros diferentes dos de Ulisses, mas não menos tenebrosos: o medo do fracasso, o desespero para encontrar minha identidade pessoal e profissional, o súbito ato de ser jogada no mundo real. Mas isto deixamos para depois... um dia de cada vez.





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