A madrugada antecedente
ao meu primeiro dia de aula foi gasta em expectativas. Sobre como
seriam os professores, as matérias, os colegas. Difícil pegar no
sono quando um turbilhão de pensamentos impossibilitam o meu
descansar.
Disseram-me que na
faculdade poderia ser quem eu quisesse ser. Portanto, criei uma falsa
história de vida. Seria de uma cidadezinha russa e estaria no Brasil
para servir como espiã disfarçada o meu amado país. Depois, deixei
para lá. Concluí que o conselho era mais apropriado para os
estudantes calouros de Teatro.
De pé às 6 da matina,
com cara e andar arrastado de uma morta viva, caí embaixo do
chuveiro. A água congelante fazia meus dentes se baterem como
maracas e meu corpo tremelicar.
Passada uma hora, lá
fui eu à casa de uma amiga do colégio. Esperei que se aprontasse e
saímos de casa rumo aonde viveríamos os próximos quatro anos de
nossas vidas.
Não havíamos chegado
na faculdade ainda, mas aprendemos uma lição importante – nada
sobre concordância nominal ou algo do tipo, mas extremamente
relevante: sair mais cedo de casa é crucial se não quisermos chegar
atrasadas.
O engarrafamento era
gigantesco e, quando finalmente tocamos terras universitárias, fomos
atrás de deixar o meu certificado de conclusão do Ensino Médio em
uma porta de vidro. Só que eles estavam recebendo em outra. Chegando
lá, esperamos. Nervosamente, esperamos. Até minha senha ser chamada
e pronto! Risquei isto da lista de coisas a fazer.
Um chuvisco bipolar, ia
e voltava, e ameaçava a chapinha da minha amiga. Paramos na
biblioteca, onde o professor havia dito que nos levaria para. Não
avistamos ninguém barbudo, com óculos fundo de garrafa e com
cabelos pintados nas cores do arco-íris. Logo, achei que os futuros
jornalistas deveriam estar na sala e não ali.
Andamos numa velocidade
mais rápida, afinal, estávamos atrasadas. Subimos as escadas do
bloco para encontrar a tal sala vazia. Talvez eles estivessem em um
lugar diferente da biblioteca... e lá fomos nós de novo.
Reencontramos uns
velhos amigos de colégio que haviam sido liberados da aula – e eu
nem chegara na minha ainda!
Perguntei ao guarda
onde estava a turma que começava hoje o primeiro semestre de
Jornalismo e sua resposta foi: na sala Q18. Saímos pela porta e nos
olhamos nos olhos. Não precisava ser dito, podia-se ver nos nossos
rostos a expressão de “onde diabos é Q18?”
Com a ajuda de uma
amiga veterana, fomos à procura. Passamos pelos blocos M, N, O, P...
até chegar ao Q, perto de onde havíamos saído para ir até a
biblioteca. É provável que, se estivéssemos sendo observadas do
alto, teríamos formado uma figura enrolada, como a minha cabeça
naquela hora.
Achamos a Q18 faltando
10 minutos para o começo do intervalo. Minha amiga bateu na porta,
abriu-a e deixou-me à mostra aos 60 alunos e mais uma dúzia de
professores e estudantes de outros semestres. Bateram palmas e logo
pensei: “ótimo, estão me zoando por chegar atrasada”, mas é
que o coordenador do curso havia entrado para falar algumas
palavrinhas. Agora eu sei o que fizeram durante as primeiras horas de
aula.
Acanhada e
envergonhada, entrei na sala. O professor me indicou um lugar vazio
para sentar e segui seu conselho. Aparentemente, eles haviam tirado
umas fotos no começo da aula. Os que não, por terem chegado
atrasado, foram para perto do quadro e se apresentaram. “Meu nome é
Gabriela, tenho 18 anos e sou daqui de Fortaleza”.
Arrastei a cadeira com
um barulho estridente e sentei novamente. O restante da turma se
apresentou e, honestamente, não lembro dos nomes de ninguém, além
de uma tal Natália, que podem chamar de Nati, vinda de São Paulo
para cá quando criança. O resto foi bem menos espalhafatoso em
relação às suas apresentações.
Nos 10 minutos de
intervalo, comi meu biscoito trazido de casa no banco sozinha.
Depois, retornei à sala. Aos poucos, os meus futuros colegas de
profissão chegavam e sentavam, enquanto os veteranos diziam e
repetiam que teríamos que ler um livro de 680 páginas sobre o Chatô
e os primórdios da imprensa brasileira. Perguntei-me se alguém já
fizera a piada óbvia de que o livro do Chatô é muito chato ou se
isto seria considerado uma heresia.
Mais algumas válidas
informações e... queda de energia. Um aluno de terceiro semestre
fez questão de tranquilizar a estudante que largou o curso de Letras
na Universidade Estadual do Ceará dizendo que greve, só lá mesmo.
Fomos em direção aos
estúdios de televisão da faculdade. Já havia visto antes, mas sua
grandeza surpreende toda vez. Uma estudante do quinto semestre de
Jornalismo faria uma entrevista com o meu professor que tem o nome de
uma música da Lady Gaga e um convidado especial: um ex-aluno que
trabalha em um grande site de notícias da região.
Deste bate-papo
documentado em vídeo, pude tirar algumas dicas de como sobreviver ao
primeiro semestre e de como me tornar uma excelente profissional na
área jornalística.
Este foi só o primeiro
dia de uma grande odisseia de quatro anos. Sem sombra de dúvidas,
enfrentarei monstros diferentes dos de Ulisses, mas não menos
tenebrosos: o medo do fracasso, o desespero para encontrar minha
identidade pessoal e profissional, o súbito ato de ser jogada no
mundo real. Mas isto deixamos para depois... um dia de cada vez.